segunda-feira, 5 de maio de 2008

kuduro,berimbau e piano

Canções para educar

“O berimbau é um instrumento para quem tem poucos neurônios. A música da Bahia é batuque, não tem qualidade”[1]. Essa frase do professor Antônio Natalino Dantas, chefe do Colegiado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, suscitou reações de autoridades públicas e dos movimentos sociais.

Essa frase revela que o gosto verticalizado e excludente está longe de ser característica individual, ao contrário, reside na mentalidade baiana erguida com horror, medo e repugnância às características físicas, culturais especialmente aos grupos sociais subalternizados. Não só isso, a padronização do gosto é a regra que acomete pessoas de qualquer classe, nível de escolaridade e cor da pele.

Esquecemo-nos de que o erudito alicerça-se em valor, em história de conquistas, em vitória de um povo eleito à condição de melhor. Os discursos exteriores qualificam as propriedades dos ritmos, das notas, classificando-as como civilizadas, avançadas. As marcas da história inscrevem nos objetos, naturarizando-os como superiores.

Entretanto, no íntimo da criação reside apenas a diferença, o múltiplo. Em todo o mundo há contingente de pessoas desraigadas de apreciações clássicas, hierárquicas tradicionais manifestas a cada instante, em lugares como a Bahia. Isso mostra o quanto a escolaridade de um indívíduo – Educação concebida como grandiosa – não foi capaz de assegurar frenagem a juízos mais alicerçados na consciência e menos no factual.

Contudo, o dissenso atua pari passo à hierarquização dos objetos da criatividade humana em discussão aqui. Inusitados instrumentos e ritmos surgem da inexaurível criatividade humana que transborda as tradições etnocêntricas onde quer que se encontrem. Novos estilos: rap, doom, death, grunge, kuduro, arrocha, rapgode - oriundos ou não do berimbau, do piano mesclados a tudo mais - encantam pessoas de todas as cores, idades, civilizações que, contrariando a estandardização do gosto - elegem para si a melhor música, o melhor estilo, à revelia da regra de universalizar o ruído, o som, a música.

[1] Frase extraída do jornal A Tarde, Salvador, quinta-feira 1-05-2008, p.04.

É desumano perdoar, quando nos ofendem.(nietzsche)

-Ivan Obama é ativista Negro, professor de inglês e mestrando em Cultura e Sociedade da FaCom-

2 comentários:

Poeta da estação disse...

A entrevista concedida por este conceituado cidadão a uma emissora de rádio expõe bem quem é a elite baiana, os adjetivos usados no texto são muito adequados, isto é, perfeitos.
Discursos como os desse acadêmico são prova viva de racismo está aí sem ressalvas. E se algum baiano ainda acha que a Bahia não existe racismo, que vivemos em uma democracia racial. É tempo de acordar e perceber a ideologia da “clara” em vigor.
Parabéns Obama! Sua reflexão foi exata!
Forte abraço!
Elque Santos

Ailton Ferreira disse...

A escola de Nina Rodrigues
O que tem em comum as declarações do professor Antonio Natalino Dantas, da Escola de Medicina da UFBA, com o pensamento do seu mestre Nina Rodrigues ?

Já que o óbvio deve ser dito, digo que tudo está relacionado, Nina ontem é Natalino hoje. O professor-coordenador da centenária Escola de Medicina talvez tenha falado por ele e por outros que como ele, pensam mas não dizem. Não sei o que é pior. Claro fica o racismo que ainda orienta as crenças, valores e atitudes dos dirigentes da elite brasileira. O Brasil está doente porque não é inteiro, a nossa sociedade não gosta do que vê quando se olha no espelho, estamos fragmentados, partidos e o professor declarou como pensa parte da elite nacional. Expôs o pús fétido preso nas mentalidades dos descendentes diretos dos senhores de escravos de ontem.

De pensar que são essas as mentalidades e valores que orientam a pesquisa e o ensino na nossa eurocêntrica academia. Talvez por isso, as mulheres negras tenham menor tempo de atenção nos consultórios públicos em exames pré-natal, mesmo comparadas com mulheres pobres não-negras.

Não combaterei as declarações do professor ( título não merecido por ele), com raiva ou ira. Mas quero afirmar o respeito que nós devemos aos mestres de capoeira do Brasil e do mundo. Afinal a capoeira é praticada em 150 países, e teve na Bahia dois grandes ícones - Pastinha e Bimba, grande educadores do nosso povo, cuja ferramenta tem uma 'corda só'. Com 'QI' pequeno seria difícil resistir e construir um patrimônio cultural tão valorizado e em ares tão inóspitos. Grandes foram as lutas dos nossos velhos mestres para que o estado Brasileiro reconhecesse a capoeira como patrimônio nacional e elemento importante no nosso processo civilizatório. Cabe-nos fazer justiça ao presidente Getúlio Vargas pela sua atitude com relação à capoeira.

A capoeira, professor Natalino, é a dança -luta construída pelo filhos da África, a mãe e parteira do mundo, a capoeira é vida integral, é corpo são e mente sã. A capoeira trabalha a saúde integral dos seus praticantes, a capoeira prepara para a vida, condiciona a mente e os músculos, os reflexos e a disciplina dos desportistas. Atualmente muitas mulheres e meninas praticam a capoeira junto com meninos e homens. Quer seja em academias da classe média, quer nos bairros simples da cidade. Neste caso particular, vale lembrar que a capoeira é também inclusão social, pois é através dos seus mestres que muitos jovens saem das ruas, das situações de risco social que a sua elite os coloca. Em alguns bairros a capoeira é o único meio de socialização desses jovens vítimas da exclusão, é o lugar aonde as mães deixam os seus filhos sob a proteção do mestre - misto de pai e líder da comunidade, quase sempre o único conselheiro do lugar, cujo instrumento maior é o birimbau de uma 'corda só' como o senhor quis reduzir, ao comparar com o violino.

Também gosto de ouvir violino e piano, mas a compreensão do Brasil e de nosso povo, exige respeito aos nossos bens culturais, materiais e imateriais, mas aí é papo de sociólogo e antropólogo como eu, o Senhor não precisa saber tudo, mas aprender a ser. Digo isto porque sei dos seus títulos acadêmicos, mas de nada servirá o saber fazer, se não soubermos ser.

Aliás, para aprender a ser, é aconselhável saber ouvir. Então professor, sugiro que o senhor ouça a Ave Maria de Schubert, tocada num berimbau. Nada fica a dever à Orquestra Sinfônica de Moscou, ou que tal o Hino Nacional executado por uma orquestra de berimbaus, tendo ao fundo os tambores do Olodum e a Orquestra Sinfônica da Bahia. Mas tem que ter ouvidos e mentes abertos, pois a complexidade do berimbau está exatamente em ter uma corda só. É complexo tocar com uma corda só, diferentemente de tocar com sete ou doze cordas. Repare que falei que é diferente, não cometeria o erro em afirmar que o berimbau é melhor. Mas para tocá-lo tem que ser bom. Isto é: ter menos clareza e mais nitidez.

Ailton Ferreira, sociólogo, educador, membro do Conselho Estadual da Comunidade Negra-CDCN


Glossário da Banda:

juncaviva@gmail.com

*Junça é a forma como os Caboclos em suas aldeias -em suas festas, no contexto das Religiões de Matriz Africana- se referem a Junção de pessoas, agrupamento, festa, reunião, alegria...